Luiz Gê cursava arquitetura na década de 70 quando criou a revista Balão, seminal para o quadrinho underground brasileiro. Nos anos seguintes, consolidou a carreira de quadrinista ao colaborar com veículos como O Pasquim, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Isto É e Placar. O sucesso não impediu a experimentação.
Em 1972, Luiz Gê publicou uma história aparentemente despretensiosa, mas que registra uma série de pensamentos sobre a linguagem dos quadrinhos. Presente na edição de número 3, a Oba Oba, de apenas uma página, propunha várias possibilidades de leitura. Era uma obra aberta, um aceno à interatividade. A página serviu de base para que Luiz Gê e Arrigo Barnabé, músico e seu parceiro de criações contínuas, conversassem sobre como música e quadrinhos poderiam se abraçar. Sobre como a arte tem a capacidade de se desdobrar, de ocupar espaços simultâneos em suas diferentes variações.
Daí, surgiram ideias e interações artísticas para discos de Arrigo que abalaram a música brasileira, como “Clara Crocodilo” (1980), de pegada cinematográfica e visual cuja capa é de Luiz Gê, e “Tubarões Voadores” (1984), HQ que virou música, ou músicas.
Nos quadrinhos, a música também aparece como suporte a biografias de cantores e artistas, na voz de personagens, na memória e silêncio dos traços, e em manifestações culturais e sociais, que acabam por virar ícones de uma era. Quem não se lembra, por exemplo, da capa do disco “The Man From Utopia” (1982), de Frank Zappa, criada por Tanino Liberatore – aliás, outro convidado desta edição da Bienal?
Outro ponto importante é a essência fundamental e transformadora do tema: a música vibra e faz vibrar e este é outro atributo que a Bienal de Quadrinhos pretende aproveitar em sua edição de 2020 – mesmo que virtualmente.
Em tempos em que o mundo se mostra mais sombrio, ríspido e silencioso, cantar, dançar e promover encontros e coros, mesmo a distância, mas como sempre fizemos, nos parece ser um caminho mais leve e oportuno. A música como celebração, enfim.